Dr. Márcio Endles, advogado e professor |
Diante de recentes
discussões e equívocos que têm sido divulgados sobre a possibilidade de “zerar”
a votação quando ocorre um pedido de destaque em sessão virtual, torna-se
necessário esclarecer, com rigor técnico e à luz do Regimento Interno do STF e
da interpretação já consolidada pela Corte, que tal entendimento não encontra
respaldo jurídico.
A prática do
pedido de destaque por um ministro em ambiente virtual não implica o reinício
da votação em sentido absoluto, mas apenas o deslocamento do julgamento para o
Plenário físico, respeitando-se, contudo, os votos já proferidos no ambiente
eletrônico.
Essa
sistemática está expressamente delineada no art. 21-B, §3º, do Regimento
Interno do STF, introduzido pela Emenda Regimental nº 53/2020, segundo o qual,
caso qualquer ministro formule pedido de destaque, o processo é encaminhado ao
órgão competente para prosseguimento do julgamento em sessão presencial, com a
publicação de nova pauta. No entanto, essa alteração de ambiente de deliberação
não implica, por si só, a nulidade dos votos já lançados, tampouco significa a
desconsideração da manifestação jurisdicional dos ministros que tenham se
pronunciado anteriormente.
O art. 134, §1º, do
Regimento Interno do STF, estabelece que, no reinício de julgamento, serão computados
os votos anteriormente proferidos, ainda que o magistrado já não esteja mais no
exercício do cargo, reforça o entendimento de que a mudança de ambiente
processual não autoriza a eliminação ou a desconsideração de votos válidos já
registrados.
Essa mesma lógica foi
consagrada pelo Plenário do STF no julgamento da Questão de Ordem suscitada na
ADI 5399, em 9 de junho de 2022, em que, por maioria, a Corte decidiu que, na
hipótese de pedido de destaque, os votos já lançados permanecem válidos, mesmo quando
proferidos por ministros que, posteriormente, venham a se aposentar ou a deixar
o cargo. O fundamento central repousa no princípio da segurança jurídica e na
preservação da coerência institucional, uma vez que tais votos representam
manifestações de vontade jurisdicional válidas, registradas no ambiente virtual
de julgamento.
Nesse contexto, a
afirmação de que o pedido de destaque leva ao “zeramento” da votação não se
sustenta nem à luz das normas regimentais, tampouco diante da jurisprudência
consolidada da Suprema Corte. O pedido de destaque, como esclarecido pelos
debates travados no Plenário na ADI 5399, tem por objetivo apenas deslocar o
ambiente de deliberação, viabilizando uma discussão mais aprofundada, de forma
presencial e pública, sobre as teses jurídicas debatidas, sem comprometer a
higidez e a validade dos votos já proferidos.
De fato, a própria
sistemática de julgamento adotada no ambiente virtual, prevista no art. 21-B do
Regimento, assegura o direito à sustentação oral das partes, a possibilidade de
pedidos de destaque e o respeito à ampla defesa, mantendo intacta a
regularidade dos votos que compuseram o quórum inicial de deliberação.
Importante consignar que,
de acordo com o art. 132, §5º, do Regimento Interno, o voto de cada ministro pode
ser alterado até a proclamação final do resultado, o que garante a plasticidade
do julgamento e a possibilidade de amadurecimento das posições,
independentemente de ser proferido no ambiente virtual ou presencial.
Essa faculdade, todavia,
não significa que o pedido de destaque implique a anulação ou a revogação dos
votos que já integravam o processo deliberativo, mas apenas que, até o final da
sessão, permanece a prerrogativa dos ministros de reverem ou manterem seus
posicionamentos. No julgamento presencial subsequente ao destaque, a
continuidade da discussão se dará com o reaproveitamento dos votos proferidos,
que subsistem como expressões legítimas da jurisdição, em consonância com o
devido processo legal e a estabilidade dos julgamentos.
No exame do tema, o
ministro Alexandre de Moraes salientou, em seu voto vencedor, que o destaque
deve ser interpretado em consonância com o art. 941, §1º, do CPC, que
igualmente assegura o reaproveitamento dos votos proferidos antes do pedido de
vista, como manifestação de respeito à estabilidade processual e à legitimidade
dos pronunciamentos jurisdicionais.
Durante os debates, o
ministro Luiz Fux, então presidente do STF, destacou que os ministros que
votaram no plenário virtual continuam habilitados a confirmar ou alterar seus
votos até o desfecho do julgamento, assegurando a continuidade deliberativa sem
qualquer ruptura no procedimento decisório. Essa leitura, confirmada pelo
ministro Ricardo Lewandowski, corrobora a conclusão de que o pedido de destaque
não determina qualquer reinício absoluto ou “anulação” dos votos, mas apenas a
transição para o ambiente físico de julgamento, mantendo intactos os
pronunciamentos já proferidos. Vejamos as manifestações no julgamento da ADI
5399:
“MIN. ALEXANDRE DE MORAES:
(…) A Resolução 642 estabelece que, em caso de destaque, seja feito por
qualquer ministro, seja feito por qualquer das partes — desde que o Relator
defira —, o julgamento será reiniciado. Tanto que, aqui, sempre verificamos,
como no presente caso, o relatório e as sustentações orais. Não há nenhuma
novidade nisso (…) A ideia de que possa ser reiniciado por destaque de qualquer
dos Colegas é exatamente para permitir uma maior discussão, para o tema ser
discutido presencialmente. Esse reinício deve ser interpretado, a meu ver, nos
termos da legislação processual — o art. 941, § 1º, do Código de Processo Civil
adota a mesma sistemática do nosso Regimento Interno, art. 134, § 1º —, no
sentido de que, mesmo em recomeço de julgamento, deve-se manter voto proferido
no caso de aposentadoria ou outro motivo de cessação do exercício do cargo. O
Código de Processo Civil — do qual Vossa Excelência foi o grande coordenador —
diz exatamente isso (…) A questão de ordem é exatamente no sentido de o
Plenário fixar o entendimento, assim como ocorre quando se pede vista, de
validade do voto proferido por qualquer dos Ministros que posteriormente se
aposente ou por qualquer outro motivo cesse o exercício do cargo, mesmo nos
casos de destaque(…).
MIN. LUIZ FUX (PRESIDENTE): Apenas uma observação para também ficar claro. Por
exemplo, nesse processo, há Colegas que votaram no Plenário virtual e que estão
presentes. Esses Colegas têm, eventualmente…
MIN. ALEXANDRE DE MORAES: Esses continuam normalmente.
MIN. LUIZ FUX (PRESIDENTE): Eu sei, se já votaram, votam normalmente.
Eventualmente, podem…
MIN. RICARDO LEWANDOWSKI: Até o final do julgamento, podem alterar o voto.
MIN. LUIZ FUX (PRESIDENTE):Até o final do julgamento, podem mudar o resultado,
só o aposentado que não, porque não há como.
MIN. ALEXANDRE DE MORAES: Exato, da mesma maneira que em vista.
MIN. RICARDO LEWANDOWSKI: Isso.
MIN. LUIZ FUX (PRESIDENTE): É, isso fica claro: nós, que já votamos, podemos
alterar, até o final do julgamento.
MIN. ALEXANDRE DE MORAES: Alterar o voto, exatamente.
Portanto, qualquer
narrativa que sustente a tese de que o pedido de destaque implicaria o
“zeramento” automático da votação ou a nulidade dos votos até então lançados,
carece de respaldo legal e ignora a interpretação consolidada pela própria
Suprema Corte. Tal discurso, além de incorreto, pode induzir a erro contra a
dinâmica processual do Supremo, gerando confusão e desinformação.
O correto entendimento, de
rigor técnico e constitucional, é que o pedido de destaque representa apenas a
migração do debate para o ambiente presencial, assegurando maior publicidade e
colegialidade, mas em absoluto não compromete a validade dos votos já exarados,
que permanecem integrantes do processo de formação da decisão final.
Nesse cenário, a suposta
tese de “zerar a votação”, ao contrário de promover a segurança jurídica,
compromete a previsibilidade das decisões e alimenta interpretações equivocadas
que enfraquecem a credibilidade da jurisdição constitucional. O correto é
reconhecer que o pedido de destaque apenas amplia o espaço de deliberação e
confere maior publicidade ao julgamento, sem, contudo, invalidar ou afastar os
votos já registrados no ambiente virtual.
Na qualidade de advogado
na ADI 7756, que acompanha de perto esse processo, considero que a apreciação
presencial permitirá não apenas o esclarecimento definitivo do mérito, mas
também o registro, de forma pública e transparente, da conduta de litigância de
má-fé praticada pela parte adversa — o partido Solidariedade — que, ao longo do
processo, tem distorcido fatos e apresentado teses sem qualquer respaldo na
realidade.
O ambiente físico do
Plenário servirá, assim, para expor de maneira cristalina tais práticas
processuais desleais, garantindo que a decisão final do Supremo Tribunal
Federal seja não apenas juridicamente correta, mas também exemplar sob o ponto
de vista da integridade institucional.
A migração do julgamento
virtual para o presencial, portanto, não significa reinício do mérito, mas
representa a oportunidade de reiterar, com maior solidez e transparência, a
validade dos votos já exarados, assegurando que as decisões do Supremo Tribunal
Federal reflitam, de forma clara e inequívoca, a maturidade do debate jurídico
e a estabilidade do processo constitucional de formação dos precedentes.
(Artigo do advogado e professor, Márcio Endles)
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